Numa carta de 10 de Setembro, o Protetor Espiritual da
Ordem Militar e Hospitalar de São Lázaro de Jerusalém, Sua Beatitude Gregorios
III, escreveu a Sua Santidade o Papa Francisco, realçando e agradecendo o apelo
que fez á oração pela paz na Síria e no Médio Oriente.
“Hoje unimo-nos em oração em todo o mundo, com pessoas
de boa vontade e de todas as religiões … o chamamento á paz de Sua Santidade,
demonstrou ao mundo a boa vontade de todas as religiões … o chamamento á paz de
Sua Santidade, demonstra ao mundo a voz da paz do evangelho. Para aqueles que
necessitam, para aqueles que não sabem e os que se negam a crer nesta convocatória, ficou
demonstrado que a intervenção militar não é uma resposta para se solucionar a
crise na Síria. A presente convocatória do Santo Padre, foi o ponto de partida
para a mobilização internacional contra qualquer tentativa de resolver este
conflito através da violência. (…) Estou profundamente comovido pela iniciativa
de Sua Santidade que nos acompanha no caminho da paz. (…)"
HOMILIA DO SANTO PADRE
Praça de São Pedro
Sábado, 7 de
Setembro de 2013
«Deus viu que isso era bom» (Gn 1,12.18.21.25). A
narração bíblica da origem do mundo e da humanidade nos fala de Deus que olha a
criação, quase a contemplando, e repete uma e outra vez: isso é bom. Isso,
queridos irmãos e irmãs, nos permite entrar no coração de Deus e recebermos a
sua mensagem que procede precisamente do seu íntimo.
Podemos nos perguntar: qual é o significado desta
mensagem? O que diz esta mensagem para mim, para ti, para todos nós?
1. Simplesmente nos diz que o nosso mundo, no coração e
na mente de Deus, é “casa de harmonia e de paz” e espaço onde todos podem
encontrar o seu lugar e sentir-se “em casa”, porque é “isso é bom”. Toda a
criação constitui um conjunto harmonioso, bom, mas os seres humanos em
particular, criados à imagem e semelhança de Deus, formam uma única família, em
que as relações estão marcadas por uma fraternidade real e não simplesmente de
palavra: o outro e a outra são o irmão e a irmã que devemos amar, e a relação
com Deus, que é amor, fidelidade, bondade, se reflete em todas as relações
humanas e dá harmonia para toda a criação. O mundo de Deus é um mundo onde cada
um se sente responsável pelo outro, pelo bem do outro. Esta noite, na reflexão,
no jejum, na oração, cada um de nós, todos nós pensamos no profundo de nós
mesmos: não é este o mundo que eu desejo? Não é este o mundo que todos levamos
no coração? O mundo que queremos não é um mundo de harmonia e de paz, em nós
mesmos, nas relações com os outros, nas famílias, nas cidades, nas e entre as
nações? E a verdadeira liberdade para escolher entre os caminhos a serem
percorridos neste mundo, não é precisamente aquela que está orientada pelo bem
de todos e guiada pelo amor?
2. Mas perguntemo-nos agora: é este o mundo em que vivemos?
A criação conserva a sua beleza que nos enche de admiração; ela continua a ser
uma obra boa. Mas há também “violência, divisão, confronto, guerra”. Isto
acontece quando o homem, vértice da criação, perde de vista o horizonte da
bondade e da beleza, e se fecha no seu próprio egoísmo.
Quando o homem pensa só em si mesmo, nos seus próprios
interesses e se coloca no centro, quando se deixa fascinar pelos ídolos do
domínio e do poder, quando se coloca no lugar de Deus, então deteriora todas as
relações, arruína tudo; e abre a porta à violência, à indiferença, ao conflito.
É justamente isso o que nos quer explicar o trecho do Gênesis em que se narra o
pecado do ser humano: o homem entra em conflito consigo mesmo, percebe que está
nu e se esconde porque sente medo (Gn 3, 10); sente medo do olhar de Deus;
acusa a mulher, aquela que é carne da sua carne (v. 12); quebra a harmonia com
a criação, chega a levantar a mão contra o seu irmão para matá-lo. Podemos
dizer que da harmonia se passa à desarmonia? Mas, podemos dizer isso: que da
harmonia se passa à desarmonia? Não. Não existe a “desarmonia”: ou existe
harmonia ou se cai no caos, onde há violência, desavença, confronto, medo...
É justamente nesse caos que Deus pergunta à consciência
do homem: «Onde está o teu irmão Abel?». E Caim responde «Não sei. Acaso sou o
guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Esta pergunta também se dirige a nós, assim
que também a nós fará bem perguntar:
- Acaso sou o guarda do meu irmão? Sim, tu és o guarda do
teu irmão! Ser pessoa significa sermos guardas uns dos outros! Contudo, quando
se quebra a harmonia, se produz uma metamorfose: o irmão que devíamos guardar e
amar se transforma em adversário a combater, a suprimir. Quanta violência surge
a partir deste momento, quantos conflitos, quantas guerras marcaram a nossa
história! Basta ver o sofrimento de tantos irmãos e irmãs. Não se trata de algo
conjuntural, mas a verdade é esta: em toda violência e em toda guerra fazemos
Caim renascer. Todos nós! E ainda hoje prolongamos esta história de confronto
entre os irmãos, ainda hoje levantamos a mão contra quem é nosso irmão. Ainda
hoje nos deixamos guiar pelos ídolos, pelo egoísmo, pelos nossos interesses; e
esta atitude se faz mais aguda: aperfeiçoamos nossas armas, nossa consciência
adormeceu, tornamos mais sutis as nossas razões para nos justificar. Como fosse
uma coisa normal, continuamos a semear destruição, dor, morte! A violência e a
guerra trazem somente morte, falam de morte! A violência e a guerra têm a
linguagem da morte!
Depois do Dilúvio, cessou a chuva, surge o arco-íris e a
pomba traz um ramo de oliveira. Penso também hoje naquela oliveira que os
representantes das diversas religiões plantamos em Buenos Aires, na Praça de
Maio, no ano 2000, pedindo que não haja mais caos, pedindo que não haja mais
guerra, pedindo paz.
3. E neste ponto, me pergunto: É possível percorrer o
caminho da paz? Podemos sair desta espiral de dor e de morte? Podemos aprender
de novo a caminhar e percorrer o caminho da paz? Invocando a ajuda de Deus, sob
o olhar materno da Salus Populi romani,
Rainha da paz, quero responder: Sim, é possível para todos! Esta noite queria
que de todos os cantos da terra gritássemos: Sim, é possível para todos! E mais
ainda, queria que cada um de nós, desde o menor até o maior, inclusive aqueles
que estão chamados a governar as nações, respondesse: - Sim queremos! A minha
fé cristã me leva a olhar para a Cruz. Como eu queria que, por um momento,
todos os homens e mulheres de boa vontade olhassem para a Cruz! Na cruz podemos
ver a resposta de Deus: ali à violência não se respondeu com violência, à morte
não se respondeu com a linguagem da morte. No silêncio da Cruz se cala o fragor
das armas e fala a linguagem da reconciliação, do perdão, do diálogo, da paz.
Queria pedir ao Senhor, nesta noite, que nós cristãos e os irmãos de outras
religiões, todos os homens e mulheres de boa vontade gritassem com força: a
violência e a guerra nunca são o caminho da paz! Que cada um olhe dentro da
própria consciência e escute a palavra que diz: sai dos teus interesses que
atrofiam o teu coração, supera a indiferença para com o outro que torna o teu
coração insensível, vence as tuas razões de morte e abre-te ao diálogo, à
reconciliação: olha a dor do teu irmão – penso nas crianças: somente nelas...
olha a dor do teu irmão, e não acrescentes mais dor, segura a tua mão,
reconstrói a harmonia perdida; e isso não com o confronto, mas com o encontro!
Que acabe o barulho das armas! A guerra sempre significa o fracasso da paz, é
sempre uma derrota para a humanidade. Ressoem mais uma vez as palavras de Paulo
VI: «Nunca mais uns contra os outros, não mais, nunca mais... Nunca mais a
guerra, nunca mais a guerra! (Discurso às Nações Unidas, 4 de outubro de 1965:
ASS 57 [1965], 881). «A paz se afirma somente com a paz; e a paz não separada
dos deveres da justiça, mas alimentada pelo próprio sacrifício, pela clemência,
pela misericórdia, pela caridade» (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, de 1976:
ASS 67 [1975], 671). Irmãos e irmãs, perdão, diálogo, reconciliação são as
palavras da paz: na amada nação síria, no Oriente Médio, em todo o mundo!
Rezemos, nesta noite, pela reconciliação e pela paz, e nos tornemos todos, em
todos os ambientes, em homens e mulheres de reconciliação e de paz. Assim seja.